A Construção de Pontes
- Plinio P S Bemfica
- 22 de jun. de 2016
- 5 min de leitura

Permanecer ao longo do tempo frequentando grupos anônimos, faz parte de um estilo de vida em recuperação. Também é uma forma bastante eficaz de dar manutenção ao processo de mudança. Mas, a muito se sabe que pertencer ao um grupo é diferente de ir ao grupo. Pertencer está ligado existência de uma identidade dividida com o grupo, que é caracterizada essencialmente pela forma como nós próprios nos vemos, ou seja, é um sentido do “eu” (a forma como eu me defino) que é ao mesmo tempo influenciada pela forma como os outros nos veem.
Quando nos auto definimos através do sentimento de pertencimento a um grupo, é porque estamos firmemente ligados num determinado modelo com o qual nos identificamos, quer isto dizer que pertencer a um grupo requer um certo grau de escolha, ao mesmo tempo que exige um nível de consciência. Pertencer a um grupo é um processo de construir pontes entre o mundo interior (nossos pensamentos e sentimentos) e o exterior (as outras pessoas).
Desta forma, fazemos e trazemos a imagem dos outros dentro de nós, dentro do nosso pensamento, e quando não nos lembramos de alguma pessoa do grupo, isto pode não ser um simples esquecimento. O que realmente pode acontecer é que esta pessoa não está no nosso mundo interior. Ela não anda conosco, ela ainda não pertence ao nosso grupo. Quando diante de uma situação que queremos evitar e voltamos a repeti-la, sem nos lembrarmos de nada do que foi dito, provavelmente é porque ainda não pertencemos a este grupo, estes ensinamentos ainda não estão dentro de nos.
Nó temos um mundo interno e ele é repleto de relações. Há uma porção de coisas dentro do nosso mundo interno:
Lembranças pessoais do que fomos quando crianças.
Sensações que tivemos.
O que aconteceu ontem.
As relações com as pessoas, toda emoção que isso traz e muito mais.
Tudo isso não está dentro de nós como coisas fixas e arrumadas em prateleiras. Uma coisa vai tendo relação com a outra e influenciando na nossa maneira de ser, ou seja, o mundo exterior modifica o mundo interior. E o mundo interior influi na nossa maneira de nos comunicarmos com os outros. Ou seja, no nosso mundo exterior. O mundo interno de cada um é um grupo interno.
Como esse grupo interno funciona na nossa vida? Quando nascemos o mundo parece ser somente a nossa família, pois ela é o nosso primeiro contato com o mundo. Muitos adictos e muitos codependentes foram criados em famílias facilitadoras ou que também tinham adicção. Ocorre que, a vida dentro da família vai moldando o nosso jeito de ser, e cada um de nós também vai influenciando no jeito de ser da família. Por exemplo, Maria foi ensinada desde pequena pela mãe, que deveria cuidar de seu pai que era alcoólatra. Quando adulta, teve que lidar com a adicção do filho. E o que ela fez? Ela passou a cuidar dele também, da mesma forma que cuidava de seu pai. Neste exemplo, Maria, mesmo longe de sua mãe, só via uma forma de enfrentar a situação. Isto quer dizer que “os conselhos” de sua mãe ainda estão na sua cabeça. As formas de lidar com o problema que ela via fora dela foram, na verdade, assimilados aos poucos sem que ela percebesse. Assim temos um jeito de agir, sentir e comunicar nossas emoções que aprendemos em um grupo, na verdade no primeiro grupo que pertencemos na vida.Mas, como as coisas dentro de nós estão em movimento e não paradas como numa prateleira, elas podem ser mudadas. Há um movimento no grupo interno de cada um de nós. Veja o que aconteceu com Maria quando começou a frequentar um grupo para familiares codependentes. Lá, disseram a ela que o que fazia não funcionava, e além disso era ruim para ela e para o filho. Maria, naturalmente reagiu quando ouviu isto das outras pessoas do grupo. Porque na sua casa era diferente, pois era cuidando e não colocando limites, que aprendeu a mostrar o seu afeto e a participar do grupo familiar. Ou seja, era desta forma que ela equilibrava o seu grupo interno com seu grupo externo. O grupo de familiares desorganizou o equilíbrio que existia entre seu grupo interno e o externo. Qual o futuro de Maria? Bem, neste momento isto depende do quanto ela vai permitir organizar seu grupo interno em torno desta nova influência, ou se ela voltará ao “conforto” do antigo equilíbrio. Ao se permitir sentir o desconforto, Maria poderá buscar este novo equilíbrio. Esta busca, se traduz na mudança de seu comportamento. Na próxima vez que ela estiver diante das situações que quer mudar, as frases, os rostos, as histórias, e o que ela própria falou no grupo, surgirão em sua mente e farão ela fazer diferente.Mesmo não utilizando as palavras, uma das coisas que o grupo promove é a comparação. É inevitável, é dela que nasce o desequilíbrio. Maria então está, através do grupo, impelida a perceber a diferença entre a forma como ela pensa, sente e age e a forma como outras pessoas do grupo pensam, sentem e agem. Perceber a diferença, é a base da sabedoria.Toda vez que nos relacionamos, pode estar surgindo uma oportunidade para:Aprendermos coisas diferentes;Nos relacionarmos de uma outra maneira;Nos vermos de outro modo.Pertencer a um grupo (não somente participar) faz com que haja mudanças dentro de nós, no nosso jeito de ser. Muita gente fala a frase “estar aberto para o novo”. Mas, de fato, participar de um grupo é o comportamento que mais produz esta abertura para o novo. É como se construíssemos uma ponte para nosso mundo interno. Mas embora isto seja bom, ao mesmo tempo nos dá medo. É como se tivéssemos que acordar e sair da cama e enfrentar um novo dia onde não sabemos o que vai acontecer. Quando o medo é maior do que a nossa habilidade para controla-lo, as vezes queimamos as pontes do nosso grupo interior. Nós “queimamos as pontes”, e permanecemos fechamos dentro de nós mesmos. Mas, mesmo apenas participando, com o tempo e através do tempo e o convívio com os outros, estes medos podem ser vencidos, e assim, nós nos abrimos para aprendermos novas coisas, e paulatinamente passamos a pertencer a este grupo. Ao atravessarmos esta ponte deixamos para trás o “eu com problema” para chegarmos ao outro lado que é o “nós em recuperação”.É preciso abrir, fazer o novo de cada dia que está fora de nós atravessar esta ponte e olhar de frente o que temos e o que somos, deixar que o novo remexa o velho para construirmos algo diferente, algo melhor.A gente só transforma o que está no nosso mundo interior quando construímos pontes para entramos em contato com os outros que estão no nosso exterior. Com o passar do tempo, e experimentando as mudanças, descobrimos uma coisa muito importante. A vida compartilhada nos grupos, ensina que não devemos perder tempo construindo escadas que nos levem diretamente para algo ou alguém que nos mude. O importante é usar a vida para construir pontes. Afinal, pontes nada mais são do que escadas na horizontal.Em contato com o outro chegamos ao que é verdadeiro ou não, podemos questionar a forma como pensamos, sentimos e nos comportamos. Assim vencemos o medo e descobrimos que com o outro equilibramos o nosso interior com o exterior e somos mais fortes.
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