CHICKEN GAME
- Plinio de P. S. Benfica.
- 3 de mai. de 2017
- 6 min de leitura

O jogo da galinha é baseado na história de dois rapazes que disputam o amor de uma garota. Os participantes do jogo passam por uma competição. Cada um posiciona o seu carro em lados opostos, numa pista em linha reta com uma marcação na metade da pista. Ambos os carros se posicionam nas pontas da pista, numa mesma distância da linha de marcação, ou seja, frente a frente, e devem arrancar ao mesmo tempo. Os jogadores possuem duas opções: desistir ou não desistir. Aquele que desiste, desvia do caminho; o que não desiste, segue em frente. Neste jogo perder significa desistir e, por conseguinte “não ter o respeito dos amigos”. Caso os dois oponentes não desistam, perdem bens materiais, (ou até a vida), mas não perdem o respeito dos amigos. E é claro se apenas um desiste, o outro que persiste até o fim ganha. E, se ambos desistem, ambos perdem, mas ainda têm seus carros.
O nome do jogo tem relação com o fato de que, nos estados Unidos as pessoas consideradas fracas ou perdedoras são chamadas de "galinha" (chicken).
O que podemos aprender com o jogo da galinha?
É claro que adictos e familiares não pegarão em carros para uma disputa. Mas, por outro lado, podemos entender que na maioria das vezes estas recuperações não se encontram alinhadas na mesma direção. É comum existirem objetivos opostos. Por exemplo; o familiar quer que o adicto pare com o uso de substâncias e que para isto, ele se trate. Do outro lado, o adicto quer manter o uso e não aceita tratamento. É importante acrescentar que é impossível não haver este desacordo de objetivos nos caminhos da recuperação. Ou seja, sempre haverá um chicken game pela frente.
O chicken game pode ser jogado com carros ou com objetivos de recuperação, não importa. O que permanece em jogo é o respeito. Após cada partida, ou se ganha ou se perde respeito. Em uma visão mais ampliada se pode perceber que são jogadas repetidas partidas pela recuperação a fora, o que leva a uma segunda constatação, a enorme interferência dos
resultados das partidas anteriores sobre o resultado da próxima partida.
Autoridade ou autoritarismo?
A autoridade é um ganho desejável para o adicto e para o familiar. Quando nos referimos a autoridade estamos falando de credibilidade. Ser credível ou passível de receber crédito é uma questão que está ligada ao comportamento passado. Que por sua vez leva a tomada de decisão em dar ou não crédito a outra pessoa.
O autoritarismo não é bom para recuperação de ninguém, porque está baseado na obediência cega. Não poder ver significa dizer “não leve em conta se eu mereço ou não credibilidade”. Existem famílias que não respeitam a evolução do adicto, da mesma forma que há adictos que não respeitam a posição dos familiares. Ambos estão tendo comportamentos autoritários porque não levam em conta e não respeitam a credibilidade do outro.
Por outro lado, não dar credibilidade a quem não merece não é autoritarismo, pelo contrário, quem dá credito a quem não o tem perde autoridade. A frase “você tem que acreditar em mim”, (mesmo eu não merecendo) é uma forma de autoritarismo.
Nas repetidas partidas que o adicto e o familiar jogam (muitas vezes sem saber que estão jogando), nelas, sempre estão em andamento a construção ou a desconstrução da autoridade. Quando uma pessoa repetidamente não se sai bem no chicken game da família, as únicas saídas que lhe resta é abandonar seu objetivo, e perder autoridade, ou adotar um comportamento autoritário. Se esta fosse uma partida jogada com carros, seria o equivalente a desviar ou colidir.
Estratégias do chicken game.
Nos jogos existem diversas possibilidades de estratégias. As estratégias que produzem o efeito desejado, ou em outras palavras, que produzem um maior ganho, levam o nome de “estratégia dominante”.
Neste jogo, em termos de estratégia, cada jogador antes de arrancar com o carro pensa em uma forma de fazer com que o outro desvie. O que equivale dizer que a estratégia está baseada em convencer o outro a não seguir até o fim e não arcar com as consequências da colisão. Obviamente cada um tentará fazer com que o outro acredite que não desviará sua rota. Portanto em grande parte o jogo é ganho antes do seu início. Leva vantagem quem tem maior credibilidade, ou em outras palavras quem tem maior capacidade de fazer com que o outro acredite nos sinais que indiquem seu comportamento futuro.
Por exemplo, se antes de arrancar, um dos participantes passar uma corrente travando o volante com cadeado e jogar a chave fora e logo após tirar uma foto e enviar para o adversário. Esta é uma estratégia baseada em sinais com o objetivo de avisar que a trajetória não será desviada, e que isto não dependerá mais de sua vontade. É a estratégia “aconteça o que acontecer vou até o fim”. Quando um participante sabe antecipadamente a decisão do outro em ir até as últimas consequências e acredita que ele não irá, ou no caso, não poderá muda-la, ele passa a adotar (neste jogo) uma estratégia dominante.
Em relação aos sinais o problema é que as pessoas estão sempre emitindo sinais do que vão fazer, mesmo que não queiram. Não emitir sinais é praticamente impossível. Outro problema é a pessoa que não sabe ler sinais. Em muitos acasos a família ou o adicto se perdem num mar de palavras que indicam um caminho que o outro diz que vai seguir, e deixam de perceber o comportamento que indica o caminho oposto. Sendo que o comportamento é um sinal mais confiável que as palavras.
A irracionalidade como vantagem
Se entendermos que o choque ou se preferir o conflito é uma opção irracional. Por esta lógica, evitar o conflito seria a opção mais racional.
Neste jogo, cada jogador espera pelo comportamento racional do outro. Paradoxalmente o jogador que melhor convencer o oponente sobre sua própria condição irracional, terá a vantagem.
Aparentar racionalidade é uma estratégia dominada. Isto é notório em famílias com adição, familiares geralmente evitam os conflitos e “ajeitam” as situações em resposta ao comportamento irracional do adicto. Claro que isto perpetua uma simbiose doentia. A “loucura “ é uma eficaz estratégia. É a lógica da loucura.
Recuperação e o chicken game
E se levarmos em conta que os dois jogadores não irão desviar? Os dois são loucos. Em outras palavras, que ambos têm credibilidade quanto a se manterem fieis aos seus objetivos.
Se estes objetivos forem relacionados a recuperação ou a doença ativa então não haveria colisão pois não estariam em lados opostos? Sim, ainda que os dois trabalhassem no mesmo sentido haveriam conflitos. Mas, teoricamente estando na mesma posição estes conflitos poderiam se resolver através da negociação, onde cada um abre mão de um pouco (ou bastante) de sua posição em prol de permanecerem seguindo na mesma direção. Mesmo quando o familiar e adicto estão alinhados para recuperação, ainda assim, pode haver divergência quanto ao caminho a seguir. Isto acontece mesmo quando o adicto e o familiar estão na ativa, um usa substancias enquanto o outro tenta salvar e controlar a situação, nada muda de direção. Eles podem criar uma “paz” adoecida a base de acordos disfuncionais.
Com adictos e familiares que estão em recuperação podem existir conflitos da mesma forma que quando ambos estão recaídos.
Ocorre que quando um está em recuperação e o outro não, há uma diferença na natureza desses conflitos. Estes são conflitos que somente serão evitados se um dos dois mudar de objetivo.
Portanto, existem conflitos que devem e podem ser evitados, porque sua negociação não compromete ou muda a natureza dos objetivos de pelo menos um dos participantes. Enquanto há outros que não devem ser evitados, sob custo de se perder a credibilidade. Sob a ótica do chicken game estar em recuperação é:
01 – Ter um objetivo que seja claro para você e para o outro.
02 – Ter a habilidade de emitir sinais para fazer o outro (ou os outros) saber que você não vai negociar seu objetivo. Mesmo que seja em nome da paz.
03 - Ter a habilidade de emitir sinais para fazer o outro (ou os outros) saber que você pode negociar desde que ele compartilhe com seus objetivos.
04 - Ter a habilidade de emitir sinais para fazer o outro (ou os outros) saber que você não teme o conflito.
05 – Ter consciência de que sua autoridade depende da credibilidade e ambas são necessárias para obter e manter a paz no relacionamento.
06 - Faça com que o outro desconfie de seu equilíbrio e racionalidade. Nestes casos, a insegurança do outro é que poderá construir uma relação de confiança entre os envolvidos.
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