O Quebra Cabeças da Abstinência
- Plinio P.S Benfica
- 3 de nov. de 2016
- 6 min de leitura

É certo que a melhora sem abstinência pode para alguns ser chamada de recuperação, por este conceito, esta melhora pode acontecer através de vários caminhos.
Primeiro criou-se o conceito de que a dependência é uma doença e junto com ela uma ideia polarizada em haviam apenas duas “categorias” ou é doente ou não é doente. Junto e em função disto, radicalizou-se a abstinência ao ponto de a época, alguns profissionais da área de tratamento rejeitarem as medicações utilizadas no tratamento. A cerca de 30 anos atrás, a ciência começou a demonstrar que haviam várias possibilidades entre o “ser ou não ser adicto”. E o pensamento começou a mudar, diz Keith Humphreys, PhD, (professor no departamento de psiquiatria e ciências comportamentais da Universidade de Stanford). "Tem havido um crescente reconhecimento de que as pessoas com problemas de álcool e / ou drogas com inferior gravidade podem retornar ao uso não problemático, e que algumas pessoas precisam de medicamentos para se recuperar. Humphreys acrescenta: "Curiosamente, o co-fundador do A.A. Bill Wilson, acreditava nessas possibilidades, então elas no fundo não são realmente novidades", O texto básico do A.A., de fato, observa que "os nossos ensinamentos não servem para aqueles que com sucesso pode moderar seu consumo de álcool. ” Bill Wilson sabia, porém, que ele não era um deles. Hoje, a mais recente edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), que uma das principais ferramentas de diagnóstico da psiquiatria, reconhece que o transtorno por uso de substância pode variar de leve a grave. Isso significa que a abstinência não pode ser a única opção para todos os níveis de gravidade. Além disto, alguns adictos podem se beneficiar do uso de medicamentos para controlar a vontade de usar. Da mesma forma, a moderação não irá funciona para os níveis mais altos de gravidade. Mesmo os defensores da redução de danos reconhecem que existem pessoas que nunca mais poderão usar sem perder o controle, mesmo que somente um pouco. É preocupante saber que sendo uma doença progressiva, uma ação precoce diminuiria riscos e aumentaria chances de bons resultados. Ou seja, um usuário não grave que estaria ao alcance de uma intervenção breve, teoricamente poderia voltar ao uso sem perder o controle. Após algum tempo, se não tratado, esta mesma pessoa passará a ter uma condição grave, e terá como única opção a abstinência completa. Este realmente parece ser o caminho mais percorrido. Em pesquisa (realizada nos EUA) recente foi demonstrado que noventa por cento dos usuários problemáticos de álcool nunca procuraram tratamento, nem mesmo um livro de autoajuda. No meio desta discussão aparece mais uma peça do quebra cabeça. A trágica história de Audrey Conn, que em 1994 fundou o M.M. (Moderation Management) tendo como objetivo ser uma alternativa ao A.A. O M.M. é considerado o primeiro grupo de redução de danos. Audrey em 2000, deixou de frequentar o grupo de M.M., depois de ter percebido que ela era uma daquelas pessoas para quem a redução de danos não iria funcionar. Alguns meses mais tarde ao dirigir embriagada em uma estrada, atropelou e matou um homem e sua filha de doze anos. As mortes desencadearam uma tempestade de críticas sobre o conceito de redução de danos. É importante sublinhar que na mesma época do acidente Conn estava participando de A.A. e outros grupos de apoio baseados na abstinência.
Então em 2014, lutando contra a depressão, Conn tirou a própria vida.
A história de Audrey Conn nos deixa alguma lição? A realidade nos conduz para além da discussão teorica entre a abstinência e a redução de danos. Ela nos mostra que existem inúmeras pessoas (como Conn) que não conseguem aderir a nem um dos dois.
Longe de serem adversários, as intervenções de redução de danos e os grupos de 12 passos possuem finalidades transversais. Cada uma preenche uma necessidade, mas ambas apontam para o mesmo objetivo, a recuperação. O cofundador do A.A. Bill Wilson explicitamente reconheceu que alguns bebedores poderiam voltar a beber controladamente. Por outro lado, a redução de danos reconhece que algumas pessoas precisam se abster integralmente e indefinidamente. Não há conflito, há caminhos diferentes para diferentes pessoas.
O que parece novo e radical as vezes não é. A redução de danos também pode ser feita através da substituição de uma substância por outra, os participantes param de usar algumas substâncias, mas não outras. Por exemplo, uma pessoa pode parar de usar cocaína, mas ainda usar maconha. Embora esta ideia possa parecer radical, na verdade, na maioria dos grupos de 12 passos, o participante abstém-se de algumas substâncias, mas não da cafeína, nicotina ou excessos alimentares. Sendo que os dois últimos levam a mais mortes prematuras do que as outras substâncias de abuso, por isso não parar com eles não é racionalmente uma questão menor. Apesar do crescente uso de medicação, e de toda a comprovação de sua importância para o tratamento, muitas pessoas não concordam com o seu uso. Alguns o veem como um Band-Aid que impede que o adicto aprenda as habilidades necessárias para alcançar o sucesso a longo prazo. Outros a veem como simplesmente “substituir uma droga por outra”. Mas felizmente, cada vez mais, essas medicações estão sendo vistas como uma ajuda para a recuperação. Em 2012, a conhecida rede americana de tratamento Hazelden, que há muito defende a abstinência, chocou o mundo do tratamento da adicção ao anunciar que permitiria o uso de drogas de manutenção (como a bupremorfina). Este reposicionamento foi suscitado pela atual epidemia americana de abuso de analgésicos e heroína. Entretanto, a Hazelden deixou claro que continua seguindo um estilo de vida baseado nos 12 passos, tendo a abstinência como principal objetivo.
Mesmo dentro dos grupos de 12 passos, como o A.A. a política é "não brincar de médico”, não aconselhar as pessoas a usar, abandonar, trocar, diminuir ou aumentar quaisquer medicamentos. No entanto, isso se desenrola de formas distintas, pode depender da composição do grupo, parece ser uma característica geracional. Alguns membros veteranos não gostam da ideia de alguém usando medicação. Mas a maioria das pessoas mais jovens não parecem incomodados com isto.
Mesmo hoje com as opções disponíveis e a crescente aceitação de que é possível uma variedade de caminhos para a recuperação, há um consenso de que a abstinência total continua a ser o caminho mais seguro. A investigação cientifica mostra que ela está fortemente associada com bons resultados a longo prazo.
Algumas pessoas e entre elas também alguns profissionais mantém uma posição polarizada sobre se a abstinência é necessária para que a recuperação ocorra. Algumas pessoas que ainda consomem álcool e drogas se consideram "em recuperação". Para unir algumas peças deste quebra cabeça, os pesquisadores Meenakshi Sabina Subbaraman e Jane Witbrodt, examinaram se a qualidade de vida de adictos abstinentes difere da dos não-abstinentes que se auto identificam como em recuperação. Foram envolvidos na pesquisa cinco mil pessoas com mais de 18 anos, as quais se auto identificam como "em recuperação" de álcool e / ou drogas. Os recrutados preencheram um questionário online de 15 minutos, que incluiu perguntas sobre a história de tratamento, o uso de substâncias, o período de tempo em recuperação, demografia, qualidade de vida, e outros tópicos. Os pesquisadores definiram os abstêmios como as“pessoas em recuperação que se abstêm completamente do consumo de substâncias”. E definiram como não-abstêmios as pessoas que se consideram na recuperação, mas ainda usam álcool ou drogas em qualquer quantidade.O que eles acharam? Em primeiro lugar as pessoas mais velhas, e as pessoas que tinham estado em recuperação por um período mais longo de tempo, eram mais propensas a aderir a abstinência. Além disso, estes abstêmios relataram significativamente maior qualidade de vida do que os não abstêmios, mesmo quando os investigadores avaliaram todas as variáveis demográficas e também os diversos modelos de tratamento. As pessoas que tinham estado em recuperação em pelo menos cinco anos relataram maior qualidade de vida do que as pessoas no início da recuperação.Por que estes achados são importantes? Algumas pessoas e também alguns profissionais ainda mantem duas ideias obscuras. A primeira diz respeito a definir a recuperação somente utilizando o critério da abstinência, sem levar em conta um ganho real na qualidade de vida do adicto. E a segunda é definir a recuperação sem levar em conta as vantagens da abstinência completa e contínua, focando mais na evolução, mesmo que precária da qualidade de vida. As descobertas desta pesquisa revelam que o conceito de recuperação pode variar. Se por um lado é possível que algumas pessoas melhorem suas vidas sem ficar completamente abstinentes (redução de danos). Por outro lado, no entanto, de acordo com estes resultados, a abstinência proporciona uma melhor qualidade de vida. Pelo menos uma pergunta precisa ser feita. Porque muitos adictos escolhem ou são induzidos a passar por uma experiência “não-abstinente” (redução de danos) antes de tentar a abstinência?
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