EU ESTOU À PORTA - A importância do apadrinhamento
- Plinio de P. S. Benfica.
- 8 de set. de 2016
- 5 min de leitura

Adictos e codepenedentes dificilmente se recuperam sozinhos, na verdade, em grande parte um bom resultado depende de como será construida uma rede de apoio a recuperação que seja sólida e contínua. É sempre bom lembrar que o A.A. nasceu do resultado de um apadrinhamento. O co-fundador Bill W., em dado momento de sua recém encontrada abstinência, procurou ajuda para enfrentar o desejo de beber através de uma conversa. Mas não uma conversa qualquer, foi um contato mais profundo com outra pessoa (que no caso foi o Dr. Bob). Toda a literatura de grupos anônimos escrita nos oitenta anos seguintes, trata de descrever essas experiências e como elas produziram seus efeitos no indivíduo.
Hoje nos grupos anônimos é possível notar que muitas pessoas assistem reuniões mas não trabalham o programa de 12 passos. Mesmo que haja fartas provas mostrando que traçar a vida por essa “lógica espiritual” do contato com o outro, é tão ou mais importante do que somente frequentar reuniões. É neste ponto que se sobressai o apadrinhamento. Ele é a principal e mais efetiva ferramenta para se acessar o programa.
Em uma pesquisa de 2013, o Dr. Zenmore e seus colaboradores estudaram mais de 500 adictos que frequentavam os grupos anônimos e concluiu que assitir reuniões e ter um padrinho eram os únicos preditores fortes e consistentes de abstinência ao longo de um ano.
Recentemente em 2015 o Dr. John Kelly realizou uma pesquisa com foco específico no apadrinhamento. A pergunta que norteou o trabalho foi; “Uma forte aliança entre padrinho e afilhado pode resultar em mais participação a grupos e também a mais tempo limpo?
Para realizar este estudo o Dr. Kelly e seus colegas conduziram entrevistas com 302 adultos jovens, após estes terem alta de tratamentos de internação. Os participantes preecheram um inventário chamado de “aliança com o padrinho”, com o qual era avaliado a intensidade da relação “padrinho x afilhado”.
O resultado é que apadrinhamentos “com pouca intensidade” estavam associados com um pequeno aumento na participação de reuniões. Ao passo que apadrinhamentos com “maior intensidade” foram relacionados com significativo aumento na participação e também com significativo aumento no tempo limpo.
Se ter uma boa aliança com o padrinho é tão eficaz? Quais fatores podem contribuir para o fortalecimento desta aliança? No mesmo estudo o Dr. Kelly responde que quando padrinho e afilhado possuem objetivos alinhados, esta aliança tende a se fortalecer com o tempo. Além do mais, o apadrinhamento é basicamente a “ciência do fazer” mais do que a “do falar”. Cada lacuna entre o que o padrinho diz e o ele que faz, tende a enfraquecer o vínculo com o afilhado. Ou seja, o que não é falado tem mais impacto do que o que é dito. Escolher um padrinho apenas por seu “belo discurso” pode ser um método no mínimo insuficiente.
Então como é que se escolhe um padrinho eficaz? organizações de ajuda mútua (A.A., N.A.) e também alguns membros mais antigos recomendam alguns princípios básicos.
O padrinho deve ser alguém com que o afilhado possa falar de forma livre e honesta.
O bom senso sugere que padrinho não deve ter mais do que três afilhados. Um apadrinhamento
eficaz requer disponíbilidade de tempo para que os encontros com seus afilhados caibam numa agenda viável. Estes encontros devem ocorrer fora das reuniões de grupo (em média um bom padrinho deve se reunir pelo menos 1 vez por semana ou quinzenalmente com seus afilhados (isto se eles forem recem chegados).
O melhor é que o padrinho seja do mesmo sexo, isto evita que se saia do foco do programa (alguns homens e mulheres gays sentem que um padrinho do sexo oposto é mais adequado.
O padrinho deve estar familiarizado com a literatura da irmandade anônima que frequenta.
O padrinho deve estar adequado com suas necessidades. Isto porque adictos tem necessidades diferentes de apadrinhamento. Enquanto uns precisam de padrinhos mais apoiadores, outros vão necessitar de padrinhos mais confrontadores. Uma mesma pessoa pode, ao longo do tempo mudar suas necessidades.
O padrinho deve ter tempo limpo e frequentar reuniões. É sugerido (não obrigatório) que tenha pelo menos mais de um ano.
O padrinho deve ser uma pessoa que que demonstre sintir-se confortável com sua sobriedade e satisfeita com a vida. Um padrinho ideal vivencia o despertar espiritual. O maior sintoma disto é o bom humor. Uma pessoa que vive reclamando, não gosta da vida.
Um padrinho ideal, (de acordo com A.A.), é alguém que faz todo o possível para ajudar o recém-chegado a ficar sóbrio através do programa. Ele orienta o seu afilhado através dos Doze Passos, Doze Tradições, Doze Conceitos, incentiva a pessoa a participar de reuniões e ler a literatura. O padrinho deve mostrar como verdadeiramente é o programa, e não a sua interpretação ou expressão de suapersonalidade. Desta forma fazendo com que o afilhado dependa do programa e não dele.
Um bom padrinho também tem um padrinho. Geralmente os bons padrinhos foram bons afilhados.
Um bom padrinho mão tem medo de falar coisas que o que o afilhado não quer ouvir, mesmo que isto ponha em risco o relacionamento.
Um padrinho ideal passou ou passa pela experiência de servir. Pode ser atuando formalmente em encargos ou informalmente através de serviços tais como fazer e servir o café, arrumar a sala, arrumar a mesa, coordenar uma reunião. Ele também é ativo em levar a mensagem.
Provavelmente um dos melhores lugares para procurar potenciais bons padrinhos são as reuniões de estudo de passos. Também é recomendado que pelo menos no início o afilhado se concentre em apenas um padrinho.
Também há perigos relacionados a uma má escolha do padrinho.
O padrinho pode recair e influenciar (direta ou indiretamente) o afilhado a fazer o mesmo.
O recém-chegado pode ter uma dificuldade maior em saber o que é uma boa recuperação e a partir disto escolher um padrinho inapropriado.
O décimo terceiro passo é uma prática que ocorre quando um membro mais experiente se aproveita sexualmente daqueles que são novos e vulneráveis. Isto também pode acontecer no ambiente de apadrinhamento.
Pode haver a quebra do sigilo. Um padrinho inadequado pode revelar informações e segredos do afilhado. Isto pode acontecer especialmente se o padrinho sofre uma recaída.
Alguns padrinhos abusam deste papel. Eles não entendem que o apadrinhamento não é uma função hierárquica superior. São pessoas que apadrinham para alimentar seu próprio ego. Ser padrinho é cumprir um papel de igualdade dentro de uma relação de ajuda.
Alguns padrinhos podem dar maus conselhos e o afilhado, por sua vez, pode se sentir obrigado a aceitar. Isto é particularmente perigoso quando se trata de assuntos médicos. Um afilhado com dificuldades relacionadas a saúde mental pode ser convencido de que o problema é que ele não está praticando os doze passos. Isto é um obstáculo porque o afilhado se sentirá culpado por não conseguir evoluir ao mesmo tempo que também pode interferir no tratamento médico.Uma das figuras mais importantes na configuração do que chamamos hoje de grupos anônimos, foi o Reverendo Sam Shoemaker. Ele escreveu um poema com o nome “EU ESTOU A PORTA”, que fala sobre apadrinhamento, o qual transcrevo um trecho abaixo.
“...A coisa mais importante do mundo para alguns homens, a que mais eles precisam no mundo, é encontrar aquela porta - a porta para Deus.A coisa mais importante que qualquer homem pode fazer é pegar a mão de um desses cegos, e tateando coloca-la no trinco - a trava abre apenas com um toque.Os homens morrem do lado de fora desta porta, da mesma forma que mendigos famintos nas noites frias das cidades no auge do inverno.Morrem por falta de algo que pode estar ao seu alcance.Eles vivem do outro lado da porta porque não a conseguem encontrar o trinco.Nada mais me resta a não ser a caminhada para ajudá-los a encontrar e abrir esta porta
.Então eu fico perto da porta.
Perto o suficiente para ouvi-los e saber que Deus está lá, E lembre-se que eles estão lá também. Onde?Fora da porta - Milhares deles. Milhões deles. Mas - mais importante para mim - Um deles, dois deles, dez deles. Cujas mãos eu estou destinado a colocar ao alcance do trinco. Então eu permanecerei junto da porta e esperarei por aqueles que a procuram.
Prefiro ser um porteiro. Então eu fico perto da porta.”
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